Há uns bons 20 anos que é assim. Nos fins de semana antes, durante e depois do Carnaval, poucos portugueses, mesmo “jogando em casa”, conseguem vencer os escalões mais competitivos da orientação pedestre. A concorrência estrangeira é muito forte. As Elites vêm pela qualidade dos mapas e terrenos: pontuam nas provas WRE e participam em campos de treino, quando nos seus países o rigor do inverno desaconselha ou mesmo inviabiliza a prática da modalidade. Os veteranos, que são o grosso do pelotão, também curtem bons mapas, mas vêm sobretudo pela generosidade do clima. Reformados na sua maioria – e na sua maioria nórdicos, britânicos e suíços – sobra-lhes tempo e dinheiro para os padrões de consumo que lhes proporcionamos.
As contingências inerentes à pandemia suspenderam estas rotinas durante dois anos, e não é fácil prever quando se poderá retomar a normal cadência do calendário desportivo, com as novas incertezas decorrentes da guerra na Ucrânia a virem juntar-se à crise sanitária. Mas as últimas edições do Norte Alentejano “O” Meeting (19-20 fev.) e Costa Alentejana “O” Meeting (26 fev.- 01 mar.), bem como os campos de treino do Alto Alentejo (fev.-mar.), de Vagos e Mira (26-27 fev.) e Figueira da Foz (02-06 mar.) comprovam que o nosso país continua a seduzir orientistas de toda a Europa.
Azoia lidera depois do NAOM
As três etapas do Norte Alentejano “O” Meeting (NAOM) – duas de distância média em floresta (Herdade do Pereiro e Vale d’Ornas) e um sprint urbano em Marvão – reuniram 852 participantes, sendo 325 de nacionalidade estrangeira. Estes números ficam muito aquém das inscrições verificadas em algumas das anteriores 14 edições, sobretudo quando este evento colava, como teria acontecido este ano, com o Portugal “O” Meeting (POM), que tem sempre lugar no alargado fim de semana do Carnaval. Mesmo assim, não deixa de ser um registo animador, e para isso contribuiu também o vasto campo de treinos que o Grupo Desportivo 4 Caminhos organizou no Alto Alentejo. Durante todo o mês de fevereiro e início de março estiveram disponíveis 30 mapas diferentes e com propostas de treino muito diversas. Por lá passaram cerca de 230 atletas estrangeiros. São terrenos de elevado nível técnico, pelo que alguns dos praticantes de Elite manifestaram já o desejo de voltar em abril àquelas paragens.
Quanto aos resultados do NAOM, o Grupo Desportivo União da Azoia bem se pode orgulhar do seu 2º lugar coletivo com uma pontuação que, somada à que trouxe de Penedono e Sernancelhe, assegura a atual liderança do ranking de clubes da FPO na vertente pedestre.
Para essa pontuação contribuíram os resultados de 25 dos 37 azoianos inscritos. Como seria de esperar numa prova com tantos estrangeiros, na classificação individual surgimos apenas em três pódios nos escalões de competição (Carolina Rusga, Nuno Ferreira e Manuel Dias, todos em 2º lugar, respetivamente em D16, H45 e H70). Mas, entre outras boas prestações, é justo salientar a 8ª posição de Vasco Mendes em HE e a vitória do seu irmão Salvador Mendes em H10.

Para se ter uma ideia do domínio dos visitantes bastará dizer que nos 25 escalões do NAOM entre H/D16 e H/D70 só houve seis vencedores portugueses.
E essa preponderância foi ainda mais acentuada na prova do Carnaval, o VIII Costa Alentejana “O” Meeting (CAOM), posto de pé em escassas semanas para de algum modo repescar atletas estrangeiros que já estavam inscritos para o cancelado POM do Algarve. Classificaram-se 378 participantes, dos quais apenas 41 nas classes Escolas, Jovens e Opens. Os restantes 337 estavam distribuídos por dois escalões de seniores e dez de veteranos. Ora, nesses 12 escalões, apenas um português teve direito a pódio, e com as cores do nosso clube: Manuel Dias, 3º em M Vet IV, um dos grupos mais concorridos, com 53 estrangeiros.
Há dez anos: 385 Elites no POM
A prova rainha da orientação nacional nasceu em 1996 e só por duas vezes teve um vencedor português nos escalões de Elite (Marco Póvoa, Reguengos 2004 e Chaves 2005).
O neozelandês Alistair Landels e a austríaca Lucie Böhm triunfaram na edição inaugural, tendo os melhores portugueses de contentar-se com o 9º lugar (Mário Duarte e Maria Oliveira). O mesmo Mário Duarte subiria ao pódio em 1999, na 3ª posição, atrás de Joaquim Sousa, 2° nesse ano, que teve igualmente duas portuguesas medalhadas: Emília Silveira 2ª e Mafalda Almeida 3ª. Joaquim Sousa haveria de repetir a prata em 2001, à frente de Marco Póvoa, com Lídia Santana e Maria Amador como 2ª e 3ª classificadas. De sublinhar ainda o bronze de Tiago Aires em 2005. Como se vê, é um magro pecúlio, considerando as 150 medalhas atribuídas na história do POM.
Lembro-me bem daquela primeira edição de 1996 e da de 1998 no Cabo Espichel, mas foi só a partir de 2002 que comecei a prestar mais atenção a essa grande festa da nossa modalidade. Foi nessa prova de há 20 anos, na Praia da Vieira e Marinha Grande, que a suíça Simone Luder deu início ao seu reinado, subindo ao primeiro lugar do pódio ao lado do seu compatriota Matthias Niggli, que com ela haveria de partilhar o apelido e um cacho de filhos. Os melhores atletas nacionais quedaram-se nesse ano pela 6ª posição (Emília Silveira e Marco Póvoa). E entre os veteranos só contámos um vencedor (Santos Sousa em H35).
Como Simone Luder, primeiro, e Simone Niggli, depois, a mais medalhada atleta de sempre em mundiais e europeus foi também a maior colecionadora de títulos portugueses. Um pouco ao acaso, consulto o palmarés de 2012, talvez o ano com mais atletas de Elite: 385 entre MSE, ME e WE. Uma década depois da vitória na Marinha Grande, lá surge outra vez Simone Niggli, à frente de Annika Billstam e Rahel Friederich, enquanto nos homens os louros vão para Thierry Gueorgiou, Daniel Hubmann e Scott Fraser. Os melhores portugueses foram Joaquim Sousa em 25º e Joana Costa em 32ª. Esta edição de Sátão e Viseu fica também para a história da orientação lusa, porque uma das suas etapas foi eleita como o melhor percurso do ano a nível mundial, mais uma glória para o traçador Bruno Nazário.
Cinco anos mais tarde, sempre no Carnaval e desta vez em terras do Crato, Alter do Chão e Portalegre, lá está a mesma dupla, Simone e Thierry, a arrecadar os troféus mais preciosos. Nos homens, a luta foi renhida, com o francês a impor-se ao norueguês Olav Lundanes e ao sueco Johan Runesson. Os melhores portugueses foram Pedro Nogueira em 45º e Mariana Moreira em 12ª.
Podíamos abrir o menu noutras páginas. Encontraríamos outros heróis, de Kyburz a Asikainen, de Minna Kauppi a Helena Jansson. E outros portugueses fora do pódio, Diogo Miguel ou Tiago Romão; Maria Sá, Raquel Costa ou Vera Alvarez. Também nos outros escalões de competição, raramente a vitória sorriu a atletas nacionais nas 25 edições do POM. Não há dúvida, em terras lusas a orientação no Carnaval quase não fala português.
Vamos ver se, após dois anos de interregno, a edição de 2023 retomará a senda do prestígio duramente alcançado nestas duas décadas e meia. Para já, não é bom presságio o facto de, a menos de 12 meses da sua realização, não ter sequer sido anunciado o palco onde vai ter lugar. Mas, com a nossa capacidade de improviso, talvez ainda estejamos a tempo de honrar pergaminhos.
Manuel Dias